Desde que mudamos para a clínica própria e térrea desejava ter um terrário no centro da prateleira que mandei fazer especialmente para minha sala. Nela eu desejava ter um espaço de terra, de natureza e quando encontrei meu terrário ele já era habitado por alguns personagens muito significativos: Alice, o Coelho Branco e Gato risonho, do desenho Alice no País das Maravilhas, e a partir de então eles se tornaram meus co-terapeutas de diversas sessões! Toda vez que olho para ele na prateleira alguma parte do livro me vem à cabeça. Já usei eles como exemplos para diversos pacientes para eles criarem suas próprias versões sobre as maneiras como entender de determinação situação que compartilharam comigo.
Alice, menina sonhadora e curiosa que passou por diversas experiências estranhas que foram vividas durante um sonho. Nele ela conhece o Coelho, que está sempre apressado e olhando para o relógio e também o Gato, que na versão original tem o nome de Cheshire. Neste texto vou compartilhar com vocês algumas das reflexões que tiro da história:
A versão do livro que tenho é da editora DarkSide publicada em 2019, mantendo desenhos e fotos originais do escritor Lewis Carroll que datam de 1832 a 1898.
Para mim, um trecho incrível é a conversa da garota com Cheshire:
“Poderia, por gentileza, me dizer para onde devo ir?”, pergunta Alice para o Gato.
“Isso depende de aonde você quer chegar”, respondeu o Gato.
“Tanto faz…”, disse Alice.
“Então qualquer caminho serve.”
“… desde que eu chegue em algum lugar”, explicou Alice.
“Chegará longe, com certeza”, respondeu o Gato. “contato que caminhe bastante”.
Diante dessa verdade inegável, Alice decidiu mudar de assunto.
Quantas vezes nos pegamos pensando se devemos ir por aqui ou ali e poucas vezes paramos para analisar o que é importante para nós antes de escolher o caminho, afinal são nossos valores que indicam a direção de onde queremos chegar. Se não chegar, tudo bem, mas pelo menos caminhar naquele sentido. Não precisamos ter esses valores descritos e registrado em cartório como uma regra totalmente rígida a ser seguida, mas pelo menos permitir tomar consciência disso, caminhar na direção do que almejamos, mudar de rota quando for necessário, fazer pausas, mas nunca parar, afinal para chegar “longe” teremos que “caminhar bastante”!
No final, Alice é acordada pela irmã, que passa à impressão de também conhecer o País das Maravilhas
“Ficou sentada, de olhos fechados, imaginando-se no País das Maravilhas, embora soubesse que, se os abrisse, voltaria para a maçante realidade… Desejou que a Alice adulta pudesse ser compassiva com as tristezas banais das crianças, bem como regozijar-se com suas alegrias corriqueiras, lembrando-se de sua própria infância e dos dias felizes de verão.”
As vezes sinto necessidade de me retirar e encontrar o meu “país das maravilhas”, embora saiba que ao sair, à vida segue dura do lado de fora, mas todas as vezes em que me permito esta pausa da realidade, volto para ela um pouco mais compassiva comigo e com os outros. Todos nós deveríamos fazer isso sempre que possível sem se esquecer de respirar fundo e voltar! Vejo como algo muito importante não perdermos a pureza de poder se alegrar com coisas simples como as crianças, e de não desvalorizar aquilo que é considerado dor pelas crianças. Essa não validação dos sentimentos deles pode ser muito danoso, e pode ser que sejamos tão difíceis de lidar com certas emoções hoje por não termos sido validados em nossas emoções na infância. Poucas coisas podem fazer grandes mudanças!
E por fim, o pensamento de Alice sobre seu próprio sonho: “… O sonho, embora esquisito, fora absolutamente maravilhoso”. Passamos por tantas situações esquisitas em nossas vidas, mas ao olhar atentamente, poderemos notar que mesmo em meio a certos desconfortos ou dores, podem existir coisas “absolutamente maravilhosas”. Vale à pena treinar nossos olhos para buscar o que há de extraordinário em meio ao caos!